sábado, dezembro 08, 2007

SIMPLESMENTE DRUMMOND


Assistí à POETA DE SETE FACES, descoberta recente, documentário sobre Drummond, que me encanta, e redescubro-me, reencontro toda beleza nele por mim esquecida. Faz-me lembrar de A ROSA DO POVO, seu primeiro livro por mim lido, e ainda assim, o que mais me toca e fascina. E um poema que lá se encontra, parece-me fresco ainda dos tempos de criança, da adolescência cheia de buscas e questionamentos (não que enquanto adulto tenham cessado).
Lembro-me já tê-lo mencionado neste espaço, que utilizo para me libertar, mas como outrém segundário, mesmo ao manifestar minha admiração.
Ora, se és tão digno e incrível à mim, por que não fazer uma menção mais apropriada?
Decido lembrá-lo de maneira singela, por meio de sua A Flor e a Náusea, o poema que me desperta à Vida, faz-me reconhecer o que é poesia no dia-a-dia, o que é a língua portuguesa e onde está a beleza nela.


"Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio:
não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo ainda é de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma conta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres, mas levam jornais
e soletram o mundo sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária do erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Por fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."



Ah, Carlos Drummond de Andrade, meu caro Drummond,
te reverencio e admiro, não por seres mais que ninguém,
estares acima dos mortais, mas por seres...
simplesmente Drummond!


2 Comments:

At 6/3/10 1:55 AM, Anonymous Anônimo said...

You have hit the mark. It seems to me it is very excellent thought. Completely with you I will agree.

 
At 13/3/10 11:32 AM, Anonymous Anônimo said...

What necessary words... super, an excellent idea

 

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